segunda-feira, 18 de novembro de 2013

No apartamento ela tentava se concentrar para estudar. O barulho do bar no térreo não permitia que o fizesse, estava lotado. Pessoas animadas estavam ali para relaxar um pouco depois do trabalho, riam, gargalhavam, falavam alto. Mesmo não conseguindo concentração para estudar ela não se irritava, era sexta feira todos mereciam. Na verdade ela sabia o verdadeiro motivo de sua pequena aflição, o barulho era o de menos para tirar sua concentração. Se perguntava a todo instante se fazia a coisa certa ao lado do namorado. “Estamos felizes? Estou feliz? É isso que quero pra mim? O amo de verdade ou estou com medo de enfrentar a solidão? Estou me enganando? Ele um dia pensará em casar comigo?”
Nenhuma questão respondida. Havia feito 30 anos 3 dias antes, estava longe da família e amigos, sozinha numa cidade estranha e num apartamento minúsculo. Apesar disso sentiu-se satisfeita por não passar seu aniversário se sentido a maior encalhada que existe, pelo menos estava namorando. Respirou quase aliviada. Quase porque todas as questões costumeiras que de vez em quando lhe invadiam, desde o início do namoro, vieram ainda mais a tona em sua cabeça. Dizia pra ela mesma: “Olha lá você, 30 anos, teu tempo tá passando, não vai perdê-lo com um cara que não tem planos contigo e depois que não der em nada a encalhada será você. Ele é homem, sempre tem uma mulher para um homem. Ele pode até ficar velho, careca, feio e barrigudo. Sempre tem uma que quer.”.
Levantou-se foi à janela, gostava de pensar olhando o céu, a rua, as pessoas. Distraiu-se nas pessoas, ficou olhando-as, analisando-as na verdade. Gostava de fazer isso. Imaginava o que se passava na cabeça delas, como se sentiam. Analisava expressões de alegria, tristeza, desdém, gostava de tentar descobrir quem estava feliz de verdade por estar ali ou quem estava só preenchendo um vazio. Alguns lhe chamaram maior atenção. Percebia um casal se paquerando em mesas diferentes. Percebeu as amigas que olhavam para bunda do garçom cada vez que o mesmo passava por sua mesa. Um casal de idoso jantando juntos, ele tomando uma cervejinha e ela um refrigerante, conversavam, trocaram carinhos singelos, sorriam. “Será que vou achar?”. Perguntou-se. Percebeu um grupo de homens em outra mesa, passaram a gritar e fazer gestos fortes, falavam sobre futebol. “Claro isso causa esse efeito nos homens”. Um homem bebendo só. Outra garota que parecia que estava ali só porque o namorado queria, não estava curtindo muito aquele happy hour, olhava para o relógio e não fazia uma cara muito simpática para o resto da mesa. Talvez ela precisasse de um pouco mais de amor e atenção. Ou talvez ela que fosse uma completa chata que só sabia criticar o namorado a todo instante e ele estava ali fugindo de mais uma discussão que provavelmente teriam se ficassem a sós. Eles nem deveriam estar juntos, mas o medo da solidão às vezes faz a gente ficar com qualquer pessoa que agita um pouquinho nosso íntimo ou com alguém que já nos acostumamos. Mais uma vez as questões voltaram a sua mente. "Estou fazendo isso comigo também?". Os gritos de uma mesa a fizeram voltar à atenção nas pessoas. Um grupo de amigos e amigas, todos riam e se divertiam sem problemas, analisou as pessoas da mesa e pareciam todas satisfeitas em estarem ali. No fundo queria ter companhia para descer no bar e relaxar um pouco. Se fosse escolher uma mesa seria aquela. Quis ser amiga daquelas pessoas.
O resto da noite foi passando, enquanto ela tentava se distrair no apartamento minúsculo. Foi na esquina do outro lado do quarteirão e comprou dois cachorros quentes para comer. Dividiu seu tempo entre comer e ir à janela analisar aquelas pessoas, tomar banho e ir à janela, estudar um pouco e ir à janela, fazer um café e tornar a janela.
Nesse meio tempo o barulho foi abaixando, o fragor das conversas foi diminuindo. O casal de idosos já tinham ido embora, a namorada de cara feia também, nem a mulher e nem homem que se paqueravam em mesas diferentes estavam mais lá." Será que se conheceram e foram embora juntos?". As mulheres que olhavam a bunda do garçom ainda estavam, porém mais concentradas em outras coisas. Os homens que gritavam pelo futebol estavam mais quietos também e conversavam mais concentrados. Política pensou. O homem bêbado agora dança sozinho cambaleando perto da mesa e um cigarro suspenso no canto da boca. Os amigos permaneciam lá, agora bem menos eufóricos, porém felizes e satisfeitos ainda. Sorriam, se olhavam, tinham conversas paralelas. Tentou não olha-los mais diretamente, passou a ser mais discretas com eles, embora fossem a melhor versão do grupo de pessoas da noite. Nas suas sucessivas idas e vindas à janela eles haviam percebido sua presença. Ficou se perguntando o que estariam pensando dela: uma pessoa solitária em plena sexta feira olhando a vida por uma janela ao invés de curtir e ser feliz.
Cada ida e volta à janela alguém mais sai de cena.  As mulheres agora foram embora, os próximos os homens a decidir a conta. O bar foi ficando vazio. A mesa de amigos diminuiu e a maioria já haviam ido embora, agora os que restaram se encontravam de pé para apressar o garçom com o troco. Era madrugada já, se preparava para ir dormir, na vista da janela, nada mais de interessante, a rua estava vazia, os jovens no estacionamento do supermercado em frente à quadra, no bar os garçons iam guardando mesas e cadeiras, o homem bêbado solitário ainda estava lá agora quase caindo sobre a mesa, mas persistindo na bebida.
O cara que faria toda diferença na vida dela estava naquele bar e naquela mesa de amigos animada. Cruzaram olhares rápidos, hora desviados por ela, hora por ele. Eles se viram, não se reconheceram absortos em seus relacionamentos atuais. Ele tentando distrair do fim do namoro, tinha ido a Capital Federal encontrar um amigo só para ocupar o tempo e se divertir um pouco e ela tentando entender porque continuava namorando.
Deitou-se e logo dormiu. O cara e o amigo chegavam em casa, e enquanto o amigo preparava o local que ele dormiria, riam um pouco mais e colocavam a conversa mais pessoal em dia. Ele também deitou-se mas demorou um pouco mais para dormir, entre as lembranças do recente fim de namoro ficou se perguntando o que pensava a mulher da janela. Por fim, adormeceu também.
Ambos nem imaginam que talvez se tivessem sido rápidos em soltar um sorriso antes do outro desviar o olhar as coisas poderiam ser diferentes.
Aquele namoro dela acabou no início do ano posterior, ela já se envolveu com outros caras, novas paixões, nada deu certo até agora. Ele namorou outra garota, gostou dessa garota de verdade, mas também não funcionou. Estão perdidos, mas ela entrou numa fase de se preservar no amor um pouco mais, ele continua por aí se envolvendo com histórias que não irão dar em nada.
Eles se reencontraram, mas nenhum dos dois lembra da noite no bar. Ela o quer e ele ocupado demais ignora suas  tentativas de aproximação. Será que aquele momento, aquele dia no bar tinha sido a única chance deles? As vezes fico triste por eles, fico mais triste por ela. Eles se completariam, seriam felizes juntos, mas ele não sabe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário